O autor, Mário de Sá-Carneiro é surpreendente, vocês têm que ler A confissão de Lúcio!
(Como diria minha professora de Literatura Portuguesa, a festa contida neste livro lembra e muito aquela festa do filme De Olhos Bem Fechados, do Kubrick!
Foto e poesia:
Feminina |
Eu queria ser mulher pra me poder estender Ao lado dos meus amigos, nas banquettes dos cafés. Eu queria ser mulher para poder estender Pó de arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos cafés. Eu queria ser mulher pra não ter que pensar na vida E conhecer muitos velhos a quem pedisse dinheiro - Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro A falar de modas e a fazer «potins» - muito entretida. Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios E aguçá-los ao espelho, antes de me deitar - Eu queria ser mulher pra que me fossem bem estes enleios, Que num homem, francamente, não se podem desculpar. Eu queria ser mulher para ter muitos amantes E enganá-los a todos - mesmo ao predilecto - Como eu gostava de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto, Com um rapaz gordo e feio, de modos extravagantes... Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse, Eu queria ser mulher pra me poder recusar... Ah, que te esquecesses sempre das horas Polindo as unhas - A impaciente das morbidezas louras Enquanto ao espelho te compunhas... A da pulseira duvidosa A dos anéis de jade e enganos - A dissoluta, a perigosa A desvirgada aos sete anos... O teu passado, sigilo morto, Tu própria quasi o olvidaras - Em névoa absorto Tão espessamente o enredaras. A vagas horas, no entretanto, Certo sorriso te assomaria Que em vez de encanto, Medo faria. E em teu pescoço - Mel e alabastro - Sombrio punhal deixara rasto Num traço grosso. A sonhadora arrependida De que passados malefícios - A mentirosa, a embebida Em mil feitiços Mário de Sá-Carneiro Poemas Completos Edição Fernando Cabral Martins Assírio & Alvim 2001 |
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